quarta-feira, 24 de junho de 2020

Diários de Quarentena

E aí, pessoal? Todo bem? Espero que sim.

Estou escrevendo aqui no Blog porque me parece que o Twitter, por mais que eu gosta de proposta, não comporta tão bem esses textos mais longos, e o Facebook, Deusmelivreguarde, não tenho nenhuma vontade de usar. Enfim, mesmo sabendo que o Blog é pouco lido e gera pouco engajamento, ainda é um lugar "fixo" onde todos podem encontram informações sobre meus trabalhos de uma forma cronológica e "garantida", coisa que uma rede social dificulta. E também é menos expositivo que um vídeo pro canal. Quem me segue no Telegram vai receber o link pra esse texto, mas não sei precisar quantos vão clicar pra ler o texto todo. Se você veio do Telegram, obrigado pela migração!

Enfim, deu conta de de escrever, e acho que isso serve mais pra que eu me organize e tranquilize do que informe os outros. Mas aí tem essa questão de ser público, no Blog, e isso gera uma sensação de que ao escrever serei lido e sendo lido isso fica registrado. Só escrever no Blog sem ninguém ler não vale tanto como registro, e nesse caso talvez seria melhor escrever num caderno ou em arquivos de texto no PC ou celular. Aí ninguém lê mesmo. 

Nos últimos dois dias eu me senti meio perdido em meio às coisas todas. Quarentena continua, pelo menos aqui na casa dos pinguins. Saímos muito pouco: só para buscar as compras no mercado, que fazemos online e retiramos no drive-thru pra evitar entrar no mercado. Ou vamos à quitanda ou padaria (são aqui do lado de casa). Vem frustração quando a gente sai, especialmente para alguma coisa mais "duradoura" como ir ao correio ou levar o liquidificador no conserto (não deu pra consertar, no final das contas): ruas cheias, pessoas andando por aí, muitas sem máscara. Pessoas passando dificuldades diversas. Sem escolha. Pessoas aqui do prédio que descem com os filhos pra brincar no tímido e limitado "playground", ambos sem máscara, ouvindo em alto e bom som áudios de Zape com asneiras garantidas fazem contraponto a todos que estão aí fora, sem máscara, sem proteção, sem garantia de nada, sem escolha. 

Ver pessoas da própria família "meio que se protegendo",mas ainda assim, se arriscando mais do que deviam. E não sei se entendem totalmente a nossa escolha de ficar isolados o máximo possível. Mas tentam respeitar, pelo menos. Claro que eu sinto saudades, queria poder não ter limitação alguma pra viver a vida. Mas não é isso que o nosso infeliz país proporciona pra nós hoje. Sem entrar em política, mas alguém aí achava, de verdade, que algo minimamente bom ia sair desse desgoverno? Foi só desgraça e maldade, incompetência e vergonha. Não votei e jamais votaria ou votarei. eles que caiam e queimem. às vezes, a raiva sobe mais do que a racionalização e a compreensão. Não tem empatia em mais gente do que deveria: eles são poucos, de verdade, nunca foram maioria, mas são barulhentos e ignorantes, e infelizmente, o governo os representa. 

Respira.

Em relação a trabalho, tem muita coisa acontecendo, mas a sensação é quase sempre de que muito acontece e eu não consigo dar conta de tudo em equilíbrio, ficando sempre as obrigações mais demarcadas com mais foco e atenção, porque obviamente é oque eu devo fazer. Minhas aulas, todas elas, estão acontecendo online. Algumas pelo Slack (na Pandora), que não é o ideal mas pé o que temos pra usar. É oque dá pra fazer sem ampliar o escopo do que é cabível fazer. Não dá para tornar cada aula de cada aluno uma aula particular ao vivo. Não tem muito como dar uma aula semi-individual ao vivo, mas estou achando que o que faço (pelo menos, a minha escolha de como conduzir as aulas, já que outros professores optam por diferentes fórmulas - e tudo bem) tem dado certo, mas é perceptível que o ânimo dos alunos oscila muito, e pelo menos metade deles não conseguem produzir tanto quanto seria ideal (n~]ao só pra aula, mas pro próprio desenvolvimento e bem-estar deles). às vezes nem eu estou produtivo e empolgado, mas é meu papel na aula, além de levar o conteúdo, apresentar, corrigir e orientar, tentar levantar os ânimos e apontar possibilidades que possam deixar o isolamento mais leve e tolerável. Outras aulas, por vídeo, funcionem bem, eu acredito, mas é um formato que funciona para um, dois alunos, que estejam vendo o mesmo conteúdo. Essas aulas são bem legais, e me fazem refletir (quando consigo ter tempo) sobre o futuro do ensino, o ensino de arte, os milhões de cursos online que estão pipocando por aí (tenho grandes questões sobre eles, mas não pra esse texto). Vejo minha esposa e os colegas da escola na sua jornada diária de serem professores nesse momento estranho, com alunos que, em sua maioria, não são tão versados nas coisas de tecnologia ou que sequer têm acesso À internet em casa...

Eu tenho desenhado menos do que gostaria. Uma coisa que andei fazendo umas semanas atrás é revisitar ideias perdidas em sketchbooks antigos ou pastas do computador, e finalizando ilustrações. Essas artes vão pro portfolio do meu site, do ArtStation, vão para sites de produtos como Urban Arts e RedBubble (ainda não estão em todos os sites, mas vamos com calma). São ilustrações que eu gosto, surgidas aleatoriamente de associações livres e doideiras de caderno de rascunho e que por algum motivo acho válidas de serem oferecidas como estampas pra produtos. Se algumas delas agradam o público, pode gerar uma renda passiva que é sempre bem-vinda para artistas visuais. Eu tenho uma ilustração do Cartola, por exemplo,que vende até que bem no UrbanArts, mas tenho outras 10, 15 que não vendem. Mas estão lá, e quem sabe algum dia alguém goste e queira. A ideia é justamente essa: ter esse material disponível caso alguém esteja procurando algo parecido. Vender é consequência de ter o produto disponível.

Em contrapartida, os famosos freelas não existem. Se nos últimos 4 anos eu sentia uma diminuição gradual dos freelances em publicidade e editorial, esse ano foi praticamente nulo. A quarentena, a crise, tudo incerto, claro, tudo isso afeta o mundo. Fiz uma ou outra ilustração para clientes particulares e elas são sempre mais legais de fazer do que projetos pra clientes grandes intermediados por agências, mas enfim, é trabalho e eu gosto de fazê-lo (às vezes eu não gosto, mas é trabalho). Considero que está tudo bem, que muitos dos meus colegas autores deixaram de atender os freelas de publicidade quando o editorial e/ou os quadrinhos e commissions apareciam em quantidade financeiramente relevante. Ou aulas. Eu hoje prefiro dar aulas do que fazer ilustrações sem autoria, com prazo apertado e com orçamento confuso e limitado.Acho que o que tenho a oferecer como professor é mais relevante. 

Quanto aos quadrinhos, meu amor, eu ando distante. Semanas atrás, fiz lives no meu canal do YouTube com a arte-final da primeira página do novo quadrinho de Monstruário, falei bastante dessa HQ, mas ela parou lá. Com 95% das páginas a lápis prontas e diagramadas, e apenas aquela primeira arte-finalizada. Eu não sei pra onde ir, na verdade. Sei que a série Monstruário tem muito potencial e muita gente espera por novidades, mas com a situação de todos os eventos cancelados e a incerteza em tudo, como planejar uma publicação de HQ independente? Como garantir que ela se pagará, ou como garantir que um financiamento coletivo tenha sucesso? Talvez eu esteja me enganando e deveria mesmo tocar o barco e fazer a HQ, apresentar ao mundo sabendo que vai dar tudo certo... Mas me sinto inseguro.

O mesmo vale para Terapia Volume 2, que está travado, andando a passos minúsculos. Não quero entrar em detalhes aqui. Ump asso muito importante já foi dado e conquistamos os direitos do Volume 1 de volta. A editora que o publicou não tem mais nenhum direito ou ligação com os autores e o material de Terapia. Agora, estamos por nossa conta, e eu prefiro assim, apesar de ser obviamente mais complicado. Publicar por editora tem se mostrado cada vez menos interessante, e eu entendo todo o lado deles (menos as questões de competência e planejamento, isso eles têm que saber fazer e fazem bem feito). Faremos independente, e estamos prometendo há mais tempo do que minha vergonha na cara admite, mas é isso, andamos conforme é possível. Talvez saia esse ano... eu espero que saia.

Pra terminar, tem a edição especial de comemoração dos 15 anos / 10 anos de Pieces  (tem uma série no meu canal e posts aqui no Blog, também, sobre isso). Estou travado em um roteiro. Um único roteiro, para uma HQ inédita e que fecha o volume. Eu tenho o argumento, a mensagem, tudo está sentido e entendido, mas não consigo pegar essas ideias todas e trabalhar um roteiro para poder desenhar. Será uma autossabotagem velada? Será que eu não quero terminar isso? Não acho que a proposta de Pieces vai se encerrar com esse livro, mas ele certamente é um fechamento de ciclo, e esse último roteiro é o ponto final. E, apesar de ter "tudo", enquanto não tiver o roteiro e desenhar as páginas, eu tenho "nada". Ideias e vontade de fazer não são suficientes. É preciso produzir, construir, fazer, gerar. E teralgo para mostrar que seja bom o suficiente.

Mas sabe, eu me conheço. É muito provável que um belo dia eu sente na minha mesa e a coisa simplesmente aconteça, num processo tranquilo e satisfatório. Seria um momento de "release", como se todo esse tempo eu estivesse esticando o elástico do estilingue. Quando finalmente soltar, a coisa vai. Só não pode afrouxar o elástico, porque aí a coisa sai sem potência. E não adianta esticar com muita força se você só tem um grãozinho pra projetar. Eu e as metáforas.

Algo que tem me trazido uma satisfação mais garantida é editar os vídeos pro canal. Eu tenho mais ideias e planos e roteiros do que meios de produzir os vídeos todos. Em meio aos vídeos pro canal, que são gratuitos e pra todo mundo, eu quero montar cursos fechados e bem legais para venda. Coisas importantes pra autores e que eu sei que faço bem e que posso ensinar com uma didática legal. É que tudo isso leva muito tempo e dedicação. Para ter esse tempo de foco e dedicação, outras coisas precisam ficar de lado por um tempo. Não dá pra fazer tudo. Eu não curto fazer um tiquinho por vez de um monte de coisa, eu prefiro fazer bem feito e com foco uma coisa de cada vez. 

Mas, voltando aos vídeos do canal. Ontem eu fiquei à tarde meio perdido sem saber direito oque fazer, onde focar. Tentei trabalhar no roteiro da Pieces, nada rolou. Aí fui editar um vídeo que já estava gravado, e nos primeiros conca minutos de ver os resultados aparecendo, eu já estava empolgado e acelerando. Geralmente esses processos mais mecânicos (entre os quais estão tarefas domésticas) me trazem uma satisfação mais garantida e mais rápida de alcançar. O resultado está lá, se formando em frente aos olhos. Em cerca de 1 hora ou pouco mais, eu tinha um vídeo de 20 minutos editado e pronto para ser exportado (nem todos são tão fáceis assim,claro). Agora, eu não preciso de um vídeo pronto pra hoje. Eu já soltei um vídeo essa semana, e tenho pelo menos mais 3 prontos, já subidos no YT, prontos pra publicar. Eu poderia ficar umas 2 semanas sem pensar em vídeos ou produzi-los, mas lá fui eu pra essa coisa mais garantida na satisfação. Que bom que rolou. 

Em muitos casos, quando eu fico refletindo e/ou reclamando das coisas que não rolam, não andam, não acontecem, eu estou reclamando de barriga quase cheia. Muito é feito, meus dias são geralmente cheios aqui, mesmo - ou especialmente - com a quarentena. Mas ainda assim, algo me trava criativamente. Tem sido a lombada mais difícil de passar no meu trabalho e projetos pessoais. Chegar na parte mais mecânica, como disse, passa pela criatividade. Mas quando eu chego lá - editar, arte-final, cores, diagramação, organização, faxina, cozinhar, recolher roupa - a coisa vai, romper a inércia é menos complicado, e eu sei que vou ver um resultado digno. Criar tem sido difícil. Criar em meio a incertezas. Pra onde vão as coisas? As aulas, o mercado, o independente? 

Eu deveria fazer um financiamento recorrente, um Apoia-se pra mim? Talvez um pro Monstruário? Deveria fazer logo o Catarse de Terapia mesmo não tendo 100% do livro resolvido? Devo tomar as rédeas de coisas que são feitas em equipe correndo o risco de gerar incômodo nos outros? Sinto que eu teria paz pra fazer as coisas sozinho quando as coisas conjuntas fossem resolvidas, por que se não, seria mais um compromisso em meio a todos os outros pra fazer e correria o risco de deixar a desejar em alguns ou até em todos. Quando eu assumo sozinho as coisas, eu tenho só a mim mesmo para cobrar. Mas aí, a insegurança traz uma falta de certezas mínimas que me travam. 

Estou o tempo todo querendo fazer as coisas, resolver as coisas, mas tem sido difícil criar, difícil entender se eu tenho falhas em coisas que queria fazer, difícil saber como e onde e se investir em projetos. Eu não sei se faço as coisas do jeito certo, confio noque conheço e sinto, mas parece hoje em dia que estou defasado em tudo que amo fazer e não sei como alcançar a marcha. Acho que estou cansado. 

Bom, eu escrevi. Acho que foi tudo. No que diz respeito aos assuntos que eu não falei, está tudo bem. Escrever ajuda a organizar, e talvez por ter tirado um tantinho disso daqui de dentro, eu consiga espaço pra reorganizar algumas coisas. 

Vida que segue, jovens. Vamos em frente, fazer o que é certo e torcer pelo melhor. Em relação ao Corona, as coisas vão melhorar, eu só queria que não fosse difícil demais. Porque não precisaria ser difícil demais. Em relação ao mercado, ao trabalho, à arte, e tudo mais, vai saber. Eu queria saber que fazer o meu com toda a dedicação e carinho seria suficiente, mas não tem como saber agora. 

Um passo de cada vez, mas nunca desistir.




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