quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O fim do Quarto Mundo

Oi, pessoal.

Essa semana saiu oficialmente a notícia de que o Quarto Mundo, coletivo de quadrinistas independentes, está encerrando suas atividades.

É um momento meio triste para o Quadrinho brasileiro, ver o coletivo que foi referência para autores independentes, e que arrisco dizer, foi responsável pela retomada da produção de HQ independente, especialmente em grupos organizados de autores, decretar o seu fim.

Entrei no Quarto Mundo em 2008, logo após desenhar um capítulo da Nanquim Descartável #2. Como membro, editei e produzi vários títulos (Pieces #1, #2 e #3, Burocratia e By the southern grace of God), e participei de outros mais (Nanquim Descartável #2, #3 e #4, Quadrinhópole #8, Subterrâneo, Almanaque Contos da Madrugada, Clube da Voadora #2, e várias edições da Café Espacial)

Também participei ativamente de eventos, dentre eles o mais memorável com certeza foi o FIQ de 2009.

O Quarto Mundo, como foi criado e idealizado, já não conseguia funcionar direito nos últimos meses. A ideia de que todos os membros contribuam com alguma atividade acabou se perdendo em meio a muitos membros que não eram mais membros, e muitas responsabilidades pesadas caindo nas mãos de poucas pessoas, que seguravam o rojão e acabavam levando o coletivo à frente. Claro, sem querer citar nomes nem nada, não é uma questão de culpa, e sim de responsabilidades.

Meus 4 anos no coletivo foram cruciais pro meu crescimento profissional. A presença no coletivo também ajudou na divulgação do meu trabalho, que com certeza não chegaria tão longe, pelo Brasil todo, quanto chegou; e por isso sou muito grato. Mais do que tudo, os amigos que fiz e as parcerias que aconteceram, e os novos autores que tive o prazer de indicar e orientar no grupo.

Nos últimos tempos sentia o cansaço dos membros mais ativos, e uma vontade de revitalizar o coletivo com algo novo, algo que chamasse a atenção da mídia e dos leitores de volta para nossos trabalhos. No ano passado, então, visando isso, escrevi um projeto para um álbum especial do Quarto Mundo, que traria HQs inéditas de todas as séries dos autores do coletivo, como uma carta de apresentação para novos leitores, e uma coletânea para os velhos leitores.

Infelizmente, mesmo com a proposta de editar sozinho esse livro, e contando depois com a co-edição de pessoas que admiro pelo trabalho e pessoalmente, o projeto não foi para a frente e problemas que julgo primordiais nesse tipo de trabalho apareceram. Mais uma vez, sem julgamentos de culpa aqui, só acho interessante enfatizar que nós tentamos criar algo novo, e esbarramos nas dificuldades que um coletivo independente com uma ideologia sempre vai apresentar. Isso é normal, mas travou o processo.

Produzir HQ independente requer muito esforço, dedicação, sacrifício e muita disciplina... Ir a ventos, conversar, vender seu trabalho... Escrever, re-escrever, desenhar e re-desenhar, editar, revisar, orçar com gráfica, planejar tudo... Coisas que não são fáceis de atingir, e que tomam tempo. Quem faz, o faz por amor mesmo, por um tesão imenso em produzir HQ, em contar histórias. Sempre que posso, oriento e dou dicas para o pessoal que quer começar, e não tem começo melhor do que produzir um zine ou uma HQ independente.

Mas é claro que a progressão natural das coisas é a evolução. A outra opção é a estagnação. Eu optei pela primeira, desde que comecei a publicar. E me parecia natural que o Quarto Mundo não fosse um trampolim, muito menos um lance de "qualquer coisa pode ser publicada com o selo". Me parece natural que o Quarto Mundo fosse um tipo de estágio de aprendizado, onde autores novos tivessem um respaldo de autores mais experientes, uma orientação; e que o espaço que o coletivo ganhou pela qualidade e variedade de seus títulos fosse usado também para apresentar novidades.

Nesse sentido, achava que se um autor achasse por bem sair do coletivo, ou se dedicar menos a ele enquanto foca em sua carreira, não seria um ato egoísta ou mal-agradecido. É só a progressão natural das coisas. Não se trata de fama ou glamour, se trata de encontrar novos desafios e espaços, conquistá-los mesmo. Eu sei que meus planos continuam, estou cheio de ideias e planejo um ano bem produtivo para 2013.

O fim de algo importante é sempre impactante, para os envolvidos. Talvez a repercussão disso na mídia seja menor do que quando a gente surgiu, mas tudo bem. Hoje, 5 anos depois, vemos vários outros coletivos ótimos produzindo HQs de qualidade, e isso é o que importa. Não importa quem começou o que, importa que os autores nunca desistam e nunca parem de produzir. Fazer HQ independente nunca foi fácil, mas hoje é muito mais possível.

Não guardo mágoa de nada nem de ninguém. Só guardo a experiência, as amizades e a certeza de que, apesar do coletivo ter se desfeito, ainda somos todos amigos e quadrinistas, e com certeza estaremos juntos em projetos novos, eventos e mesas de bar e lançamentos. É isso que importa, e não o rótulo. Em especial, queria deixar registrado meu respeito, amizade e um baita abraço para os, mais que colegas de HQ, amigos: Daniel Esteves, Will, Cadu Simões, Ana Recalde, Giogio Galli, Marcos Venceslau, Marcelo Saravá, Caio Majado, Hugo Nanni, Edu Mendes, Leonardo Melo, Jozz, BiraDantas...

O saldo é muito positivo. Devo muito da minha projeção, e a do meu trabalho, ao coletivo. A minha experiência foi riquíssima, e, sendo um cara que mergulha de cabeça em tudo que me parece interessante e desafiador, só tive a aprender, mesmo quando errei em alguma coisa. Esse jeito de agir me fez vestir a camisa e batalhar pelo que eu acho bom, pelo que eu acredito.

Chegou a hora de continuar em frente. Então é só virar a página que tem mais HQ do outro lado.



Abaixo, leia o release oficial do coletivo, e a imagem de despedida do nosso mascote, ilustrada pelo Will.
Um link, também, para a matéria do Blog dos Quadrinhos, pelo Paulo Ramos.

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Quarto Mundo chega ao fim após 5 anos de existência




     Centenas de quadrinhos lançados, participação em eventos por todo o Brasil, dezenas de oficinas ministradas; uma verdadeira escola em termos de produção independente de Histórias em Quadrinhos. Com este saldo, o coletivo de quadrinistas Quarto Mundo anuncia seu fim. 

Fundado oficialmente durante o Festival Internacional de Quadrinhos - FIQ 2007, o coletivo fez história ao reunir artistas independentes de todo o País para participar de um festival de renome.    

Chamando atenção logo de início, o grupo cresceu a partir de várias propostas. Com uma organização descentralizada, o objetivo era que todos trabalhassem em alguma das atividades que o grupo desempenhava em prol dos seus membros: publicações, distribuição, divulgação, internet, tradução, participação em eventos e outras frentes, em todas as cidades onde membros do coletivo estivessem presentes. A experiência deu frutos muito importantes e promoveu de forma única o trabalho de diversos autores.  

Quando o Quarto Mundo surgiu, poucas editoras publicavam artistas brasileiros, o mercado independente era formado por um grupo restrito de autores e a mídia via os autores de quadrinhos como artistas marginais. Hoje, há uma profusão de publicações brasileiras nas livrarias, o mercado independente é formado por uma infinidade de grupos e autores em todos os estados e quadrinistas participam de exposições e aparecem constantemente na mídia como personagens influentes do meio cultural.     

Apesar do Quarto Mundo não ter inventado nada, o mérito do grupo está em ter conseguido aglutinar várias forças criativas, inclusive de gerações distintas, em torno de uma ideia de coletivo, participando de um momento chave da história da produção independente nacional.   

Em sua história, o Quarto Mundo participou de dezenas de eventos; ganhou prêmios como HQMix, Ângelo Agostini, Bigorna e DB Artes; incentivou o mercado nacional e serviu de inspiração para muitos. Agora, com a sensação de missão cumprida, é hora dos participantes do grupo seguirem novos caminhos, formarem novas parcerias e buscarem atingir novas metas, ou até mesmo novas estratégias para alcançar as velhas demandas sempre presentes na produção nacional.  

Para comemorar essa etapa concluída, o Quarto Mundo vai realizar uma festa na HQMIX Livraria, no dia 15/12/2012. Serão dezenas de revistas a preços imperdíveis, além de sorteios e atividades diversas. Uma ótima chance para quem ainda não conhece os títulos que carregaram o selo do coletivo durante todo esse tempo de atividade.      Serviço:Festa “Fim do Quarto Mundo”Data: 15/12/2012, a partir das 18 horas.Local: HQ MIX Livraria.R. Tinhorão, 124 – Pacaembu, São Paulo.(11)3259-1528

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2 comentários:

  1. Belo texto, Mario. Uma bela despedida, um depoimento sincero. A notícia me pegou de surpresa, mas ao ler o comunicado oficial e o seu texto, é possível enxergar o ocorrido com naturalidade. Não importa os motivos de seu fim, o coletivo teve sua importância (e que importância!) e certamente marcou a vida de muitas pessoas, participantes do mesmo ou não. Fica aqui o meu voto de sucesso aos membros do 4º Mundo pelos novos caminhos que surgirão.

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